Artigo: Invasão do Sítio da Trindade

Por: Priscila Krause


Este artigo estava pronto há quase um mês. Aguardei que a reunião com a equipe da prefeitura, realizada no dia 9 do mês corrente, chegasse a uma solução sensata.

Qual não foi minha surpresa, quando, durante reunião na Câmara, o secretário de Cultura, Renato L, e sua equipe, ratificaram a disposição de passar por cima da lei. No momento em que o secretário L disse, textualmente, que quem não concordasse com o projeto deveria "entrar na Justiça", retirei-me da reunião que, de fato, não passava de uma farsa.

A Prefeitura do Recife está pondo deliberadamente em risco um dos maiores patrimônios históricos e culturais da nossa cidade. O prefeito João da Costa e o secretário L querem transformar o Sítio da Trindade numa "refinaria multicultural", desrespeitando lei federal de tombamento e até a lei municipal que designa a área como de preservação rigorosa.

Assim como aconteceu com o Parque Dona Lindu, o Projeto Orla e a Via Mangue, projetos de grande porte que foram anunciados e executados (mais anunciados que executados) sem que a Prefeitura do Recife respeitasse a necessidade de realização de estudos de impactos urbanísticos e ambientais, a refinaria anticultural em Casa Amarela passa por cima da lei e do desejo da população.

Dessa vez, a ameaça é mais grave. Pois afronta a própria formação histórica do povo pernambucano, e traz aos registros arqueológicos dessa formação histórica o risco máximo de destruição. Monumento de nossa resistência diante do invasor, o Sítio da Trindade, é o próximo alvo da obsessão da administração petista por projetos mirabolantes.

O referido projeto pretende erguer sobre o Arraial Velho do Bom Jesus uma edificação, no mínimo, inconveniente e despropositada para uma área protegida por lei federal e municipal. Os recursos anunciados, da ordem de R$ 1,6 milhão, provenientes do Ministério da Cultura, poderiam ser mais bem utilizados na conclusão de outra "refinaria cultural", lançada e esquecida pelo então prefeito João Paulo, localizada no Parque do Caiara, no Cordeiro. Daquele projeto, aprovado em abril de 2004, só restou a promessa e o esqueleto, que está lá para quem quiser ver.

Além de ser tombado pelo governo federal, o Sítio da Trindade está incluído desde 1980 no Plano de Preservação de Sítios e Monumentos Históricos do Recife - PPSH. As ruínas do forte que existia no Sítio da Trindade foram encontradas e são estudadas pelo Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. No entanto, nem as descobertas arqueológicas valiosas para a nossa história, num lugar em que a resistência ao invasor holandês forjou a miscigenação de raças, nem a existência de leis federais e municipais, demovem a prefeitura do projeto.

Um parecer do eminente arquiteto e professor José Luiz Mota Menezes, feito através de solicitação do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, não sensibilizou a obsessiva intenção do poder público. O pior é que essa intervenção imprópria, numa área de preservação histórica, paisagística e ambiental, determinada por legislação federal recebeu o descuidado aval do Iphan ao projeto.

Ao contrário do que tenta justificar a prefeitura, o tombamento federal não diz respeito apenas a uma colina, mas sim a todo o espaço que serviu de resistência de portugueses e pernambucanos entre os anos de 1630 e 1635. Ou seja, quase quatro séculos de história, é somente isso que se pretende pôr terra abaixo.

Para evitar mais uma afronta à lei, vou do discurso à ação. Farei uma campanha de mobilização em defesa do Sítio da Trindade e a realização de um abaixo-assinado em favor da preservação do monumento e de toda a sua área.

Além disto, submeti à Câmara a aprovação de emenda aditiva à Lei Orgânica, inserindo nas disposições finais artigo que proíbe terminantemente a construção de qualquer edificação nas zonas de preservação rigorosa, fazendo com que o Sítio da Trindade e outras áreas tombadas e protegidas se tornem, finalmente, áreas non aedificandi. E recorrerei ao poder judiciário na esperança de que se faça justiça aos nossos antepassados e a nós, herdeiros de uma saga heróica.

A nossa história também é a gente que faz. A gestão atual, não satisfeita com os problemas crônicos acumulados nos últimos anos, quer promover nova e anacrônica invasão ao Sítio da Trindade - num caso bizarro de ameaça de destruição do patrimônio público, patrocinado pelo Poder Executivo municipal.

» Priscila Krause é vereadora no Recife (DEM).

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